Sessão Plenária Extraordinária em homenagem aos desembargadores federais integrantes da primeira composição da Corte.
Sem títuloAção Civil Pública proposta pela Associação Preserva São Paulo, em face da União Federal, objetivando a recuperação de imóvel tombado, conhecido como Castelinho.
Aos 7 de maio de 2008, A Associação Preserva São Paulo ingressou com ação civil pública, com pedido liminar, em face da União Federal (Secretaria de Patrimônio da União – Gerência Regional no Estado de São Paulo), requerendo a desocupação do imóvel conhecido como Castelinho, situado à Rua Apa, nº 236, bem como o serviço de vigilância no requerido imóvel, além de requerer a execução da estrutura de consolidação das alvenarias e da cobertura provisória, conforme projeto do engenheiro estrutural, para eliminação de riscos noticiados. Foi pleiteada a concessão de medida liminar, com obrigação de fazer, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A apreciação do pedido de medida liminar foi postergada para depois da contestação, por ausência de perigo irreversível neste ínterim.
A União Federal apresentou contestação, requerendo a extinção do processo sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva, alegando que o imóvel havia sido cedido à Oficina Profissionalizante Clube das Mães do Brasil, em 1996.
Em 27 de agosto de 2008, a MMª Juíza indeferiu a antecipação de tutela.
A parte autora apresentou réplica à contestação da União Federal, reiterando os termos da inicial.
A parte autora, Associação Preserva São Paulo, interpôs agravo de instrumento, em face da decisão que indeferiu a tutela antecipada. O Exmo. Desembargador Federal deferiu parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela recursal pleiteada, para determinar à União Federal que elaborasse projeto estrutural e executasse obras visando eliminar os riscos de desabamento do imóvel.
A Oficina Profissionalizante Clube das Mães do Brasil foi incluída no polo passivo da ação, apresentando defesa, requerendo que fosse expedido ofício ao CONPRESP – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, para que explicasse o motivo de não haver autorizado a referida Oficina a restaurar ou revitalizar o Castelinho da Rua Apa.
Foi proferido despacho, determinando que a União Federal informasse, com urgência, sobre o cumprimento da decisão que determinou a elaboração do projeto estrutural e execução das obras necessárias e urgentes, para eliminar os riscos de desabamento do imóvel, bem como a apresentação do projeto de restauração e conservação do imóvel.
Por sua vez, a União Federal informou que o projeto de restauração e conservação do imóvel já havia sido juntado aos autos, juntamente com a proposta de restauração estrutural, restando cumprida a liminar. Alegou, ainda, que o início das obras dependia necessariamente de aprovação prévia do projeto de restauração apresentado pelo CONPRESP.
Tendo em vista o descumprimento da liminar, a MMª Juíza determinou o pagamento da multa diária pela União Federal.
A União, por sua vez, requereu a reconsideração da decisão que determinou a incidência de multa diária, interpondo agravo de instrumento, em 25 de abril de 2011, com pedido de efeito suspensivo, pleiteando a reforma da decisão agravada, para o reconhecimento do cumprimento da decisão judicial.
A Exma. Desembargadora Federal deferiu o pedido de efeito suspensivo no agravo de instrumento.
O Ministério Público Federal requereu a expedição de ofício ao CONPRESP, para informar o trâmite de aprovação do projeto de restauração do imóvel em questão.
Assim, o CONPRESP manifestou-se, informando que o projeto de restauração havia sido aprovado em reunião ordinária.
A MMª Juíza determinou, em 19 de julho de 2011, que o CONPRESP informasse ao Juízo quais as obras de emergência que deveriam ser realizadas.
Foi designada audiência de conciliação, que foi realizada em 14 de fevereiro de 2012, onde foi deferido prazo para que a Oficina Profissionalizante Clube das Mães do Brasil apresentasse o custo do projeto executivo de restauro das fachadas e das coberturas, bem como as fotos atuais do imóvel. Foi designada audiência para nova data, em continuação.
Foram apresentadas, pelo CONPRESP, informações a respeito das obras emergenciais e serem realizadas no imóvel.
Em 22 de março de 2012, a Oficina requereu a juntada do projeto executivo de restauro das fachadas e coberturas, bem como das fotos atualizadas do Castelinho.
As partes requereram, em comum acordo, o cancelamento da audiência de conciliação, tendo sido referida audiência designada para nova data.
Na audiência de conciliação, a União se comprometeu a encaminhar termo de referência do projeto executivo ao Ministério do Planejamento em 30 (trinta) dias, devendo realizar a juntada do referido termo aos autos.
A Oficina informou, então, que o projeto de restauro do Castelinho foi protocolado junto a Secretaria Municipal de Cultura, da Prefeitura do Município de São Paulo, tendo sido aprovado na 1ª etapa de avaliação.
Aos 9 de meio de 2013, foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente o pedido, a fim de condenar a União a restaurar, no prazo máximo de 8 (oito) meses, apenas aspectos estruturais do imóvel.
A União Federal, por sua vez, interpôs recurso de apelação, com pedido de efeito suspensivo, em face da referida sentença.
O recurso da União foi recebido no efeito devolutivo, em relação ao pedido cuja antecipação foi deferida, e devolutivo e suspensivo, em relação as demais questões não abrangidas na antecipação da tutela.
A União Federal opôs embargos de declaração, requerendo que fosse sanda a obscuridade e contradição na sentença embargada, para que o recurso de apelação fosse recebido no duplo efeito, em razão do indeferimento da tutela antecipada.
A MMª Juíza reconsiderou a decisão, recebendo a apelação da parte ré em ambos os efeitos, devolutivo e suspensivo.
Em 16 de janeiro de 2019, foi proferido despacho, determinando a manifestação das partes quanto ao interesse no prosseguimento do feito, tendo em vista que o Castelinho havia sido integralmente restaurado, estando ocupado pelo Clube das Mães.
Assim sendo, a Associação Preserva São Paulo requereu o arquivamento dos autos.
A União Federal requereu que fosse reconhecida a perda superveniente do interesse de agir, tendo em vista que o imóvel havia sido restaurado, restando cumprida a finalidade da ação.
Por sua vez, o Ministério Público Federal opinou pela extinção do feito sem resolução do mérito, pela perda superveniente de interesse processual, decorrente da restauração do imóvel objeto da ação, e da sua ocupação pelo Clube das Mães do Brasil.
Em 7 de maio de 2019, foi proferida decisão, extinguindo o processo sem resolução do mérito, prejudicando não só a apreciação do recurso da União, mas também da remessa oficial, determinando a baixa dos autos à Vara de origem.
Houve o trânsito em julgado da decisão, em 19 de junho de 2019, ante a manifestação de desinteresse do Ministério Público Federal na interposição de recurso.
Por fim, os autos foram remetidos ao arquivo, em 21 de outubro de 2019.
Ação Rescisória movida por M. P. Lamarca, em face da União Federal, em razão de acórdão proferido nos autos da apelação nº 94.03.010640-9, que confirmou a sentença prolatada nos autos da ação ordinária nº 87.0010726-3.
A autora, viúva de Carlos Lamarca, capitão do exército brasileiro, propôs ação ordinária em face da União Federal, visando a fruição dos direitos decorrentes da Lei nº 6683/79 e da Emenda Constitucional nº 26, de 27/11/1985, para considerá-la beneficiária da anistia. Requereu, também, fossem recalculados os vencimentos de pensão militar a partir da referida Lei da Anistia, computando-se o tempo geral como a soma do período referente ao afastamento do seu falecido esposo e o serviço ativo no posto de capitão. Pleiteou, ainda, fossem recalculados os vencimentos a partir da referida Emenda Constitucional, computando-se as promoções devidas ao marido da autora, e pagas as pensões em atraso, relativas ao posto de capitão e ao posto resultante das promoções devidas pela Emenda Constitucional, deduzidas as parcelas já recebidas pela autora a título de pensão, com juros de mora e correção monetária, além de honorários advocatícios.
Foi prolatada sentença, julgando parcialmente procedente a ação, para condenar a União Federal a pagar a autora pensão militar correspondente ao posto de capitão, exercido por Carlos Lamarca, devendo a ré computar o período de afastamento do militar ao início da vigência da Lei nº 6683/79, acrescendo-o ao período já computado. A ré foi condenada a pagar todas as diferenças devidas desde a data de vigência da referida lei, acrescidas de correção monetária, juros moratórios, custas e honorários advocatícios. Os autos foram remetidos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Em face da referida decisão, a União Federal interpôs recurso de apelação, ao qual foi negado provimento.
Desse modo, a ré opôs embargos de declaração em face do referido acórdão, aos quais foi dado parcial provimento, para declarar que o v. acórdão considerou que o disposto nos artigos 187 e 191 do Código Penal Militar não impedem a concessão da pretensão da apelada.
A União Federal interpôs recurso especial e extraordinário.
O recurso extraordinário não foi conhecido, e desta decisão foi interposto agravo regimental, julgado improvido.
Por sua vez, interpôs a autora ação rescisória, pleiteando a nulidade do acórdão.
A União Federal ofereceu contestação, requerendo a improcedência da ação rescisória.
Maria Pavan Lamarca apresentou réplica.
O Ministério Público Federal apresentou parecer, opinando pela parcial procedência da ação rescisória, no sentido de que não podem ser acolhidas as pretensões da autora quanto ao reconhecimento do direito ao recebimento das pensões retroativamente.
Por unanimidade, a ação rescisória foi julgada parcialmente procedente, para desconstituir o acórdão proferido nos autos nº 94.03.010640-9, no tocante a promoção post mortem do cônjuge da autora, e, em juízo rescisório, foi julgado procedente o pedido da autora, para reconhecer o direito de promoção post mortem do militar, com efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, compensando-se os valores já recebidos pela autora na esfera administrativa. A ré foi condenada ao pagamento dos honorários advocatícios.
A União Federal, por sua vez, interpôs recurso especial, requerendo a extinção do feito ou, sucessivamente, a reforma do v. acórdão, julgando-se totalmente improcedente a ação rescisória, invertendo-se os ônus da sucumbência.
Houve pedido de intervenção no processo, por parte do Clube Naval, Clube Militar e Clube de Aeronáutica, na qualidade de assistentes da parte ré, pedido este que foi indeferido.
A autora apresentou resposta ao recurso especial, requerendo a manutenção do v. acórdão.
Em 2 de julho de 2005, foi proferida decisão, não admitindo o recurso especial.
A União Federal interpôs agravo, requerendo que o recurso seja conhecido e provido, para prosperarem as razões do recurso especial.
Maria Pavan Lamarca apresentou resposta ao agravo, requerendo que seja negado seguimento ao recurso, mantendo-se a decisão agravada.
O Superior Tribunal de Justiça não conheceu do agravo em recurso especial, porquanto não atacados especificamente os fundamentos da decisão agravada.
A referida decisão transitou em julgado em 17 de dezembro de 2015.
Aos 22 de agosto de 2016 foi proferido despacho, determinando que apenas a execução referente à verba honorária fosse feita nos autos da presente ação rescisória, devendo a liquidação do julgado e a execução do valor devido pela União Federal serem realizadas nos autos da ação originária.
Os autos foram remetidos ao arquivo em 19 de junho de 2018.
90.03.16539-4
1 vol./26 fls.
PROCESSO ADMINISTRATIVO – COLAR E MEDALHA DE MÉRITO JUDICIÁRIO MINISTRO PEDRO LESSA.
Em 13 de março de 1990, o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ingressou com processo administrativo, com a finalidade de indicar os dignos Ministros Cid Flaquer Scartezzini e Miguel Jeronymo Ferrante, que figuram no referido processo como interessados, para receberem o Colar e a Medalha de Mérito Judiciário Ministro Pedro Lessa, tendo em vista que, pela resolução nº 001, de 28 de setembro de 1989, esta E. Corte instituiu referido prêmio, criando uma honraria destinada a agraciar personalidades, autoridades ou pessoas jurídicas, nacionais ou estrangeiras que, por seus méritos ou relevantes serviços prestados à cultura jurídica, se fizessem merecedoras de especial distinção. Assim, a finalidade do ato foi a de instituir uma condecoração permanente, que permitisse a esta Corte de Justiça Federal, reconhecer o mérito judiciário das figuras que dela se tornassem dignas, bem como assinalar os nomes dos magistrados que merecerem, ou vierem a merecer, a investidura na respectiva judicatura.
Reforça-se que referidos Ministros engrandeceram a Justiça Federal de Primeira Instância em São Paulo, sabendo como exercer com dignidade, eficiência e perfeição suas judicaturas. Por força de seus méritos pessoais e por seus incansáveis desprendimentos para com a Magistratura Federal, foram elevados ao digno cargo de Ministros do E. Tribunal Federal de Recursos, ali destacando-se por seus trabalhos, refletidos em seus brilhantes votos, a atualidade da cultura jurídica do país, tornando-a, ainda, cada vez mais próxima da realidade nacional.
Em 19 de março de 1990, foi certificado no referido processo administrativo que, em 8 de fevereiro de 1990, o E. Plenário do Tribunal, reunido em Sessão Plenária, deliberou outorgar aos Exmos. Srs. Ministros Miguel Jeronymo Ferrante e Cid Flaquer Scartezzini, por unanimidade, o Colar do Mérito Judiciário Ministro Pedro Lessa, conforme ata lavrada, submetendo os autos à apreciação do Senhor Juiz Presidente da E. Corte.
Em face do tempo decorrido, os autos foram encaminhados, em 14 de julho de 1993, à Diretoria Geral, para que fosse informado se há havia sido outorgado o referido Colar do Mérito Judiciário.
Em 20 de julho de 1993, a Diretoria Geral Informou que o Sr. Ministro Miguel Jeronymo Ferrante foi condecorado com o Colar do Mérito Judiciário, em 24 de setembro de 1991, enquanto o Sr. Ministro Cid Flaquer Scartezzini aguardava a outorga da mesma condecoração, em sessão solene a ser realizada pelo E. Tribunal Pleno.
Posteriormente, foram juntadas aos autos, cópias do discurso e da Ata da 101ª Sessão Plenária Ordinária Administrativa, referente a entrega, ao Sr. Ministro Cid Flaquer Scartezzini, do Colar de Mérito, como ato de reconhecimento e retribuição pelo brilhante trabalho prestado à Justiça.
Referida Ata foi publicada em 16 de junho de 1995, sendo os autos remetidos ao arquivo geral, em 21 de junho de 1995.
Em 5 de junho de 2019, os autos foram classificados como processo de guarda permanente, nos termos do artigo 12, § 2º, alínea “j”, da Resolução nº 318/14, do Conselho da Justiça Federal.
Vida de Vladimir Herzog (Fonte: vladimirherzog.org)
Vladimir Herzog, também conhecido como Vlado, nasceu em Osijek (atual Croácia), em 27 de junho de 1937, morando em Banja Luka até agosto de 1941, quando sua família rumou para a Itália por conta da ocupação da cidade pelo exército nazista. Na Itália, chegaram a morar em um campo de refugiados até 1946, quando emigraram para o Brasil.
No Brasil, formou-se no curso clássico do Colégio Estadual de São Paulo, ingressando posteriormente na Faculdade de Filosofia na Universidade de São Paulo. Começou a atuar como jornalista em 1959, como repórter de “O Estado de S. Paulo”, cobrindo momentos importantes da história brasileira. Mais tarde, atuou no jornalismo cultural e também na produção cinematográfica.
Como jornalista, passou pela TV Excelsior, Rádio BBC de Londres, Revista Visão, agência de publicidade J. Walter Thompson, TV Universitária da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Jornal Opinião, e foi Professor de jornalismo da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP e da Escola de Comunicações e Artes da USP – ECA. Na TV Cultura, em 1973, coordenou a redação do jornal “Hora da Notícia” e, em 1975, assumiu a direção de jornalismo.
Na década de 1970, o Brasil vivia sob a ditadura militar e qualquer oposição era motivo de perseguição e, em especial, a imprensa, vivia sob severa vigilância, sendo este o contexto da prisão e morte de Vladimir Herzog.
Em 24 de outubro de 1975, militares haviam procurado Vlado na TV Cultura, o qual se prontificou a se apresentar na manhã seguinte para as autoridades. Compareceu espontaneamente ao Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna - DOI-CODI/SP para depor e, nesse mesmo dia, foi assassinado pelos agentes do Estado brasileiro.
“Os outros dois jornalistas foram levados para um corredor, de onde puderam escutar uma ordem para que se trouxesse a máquina de choques elétricos. Para abafar o som da tortura, um rádio com som alto foi ligado e Vlado nunca mais foi visto com vida” (destaques originais).
A versão oficial foi de suicídio, uma versão que não se sustentou por conta das várias contradições nas justificativas dos torturadores e dos militares. Nesse caso, além da tortura e violência, procuraram deslegitimar a vítima com a acusação de suicídio.
A indignação motivou a mobilização de oito mil pessoas na Catedral da Sé para assistirem ao culto ecumênico celebrado por D. Paulo Evaristo Arns, o Rabino Henry Sobel e o reverendo Jaime Nelson Wright. Foi, também, uma manifestação a céu aberto contra a ditadura militar.
O assassinato de um jornalista também representava uma ameaça à imprensa e aos demais jornalistas do país, servindo de motivação para a categoria se manifestar. Contra uma versão que poucas pessoas acreditavam, em janeiro de 1976, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo lidera um abaixo-assinado com 1004 (mil e quatro) assinaturas de jornalistas e divulga o Manifesto “Em nome da verdade”, numa demonstração de união e resistência da categoria à censura.
Esse manifesto foi histórico porque, em tempos de perseguição, um grupo de pessoas contestou publicamente a versão oficial de suicídio, buscando a elucidação dos fatos.
Em 1978, a Justiça Federal, em sentença proferida pelo Juiz Márcio José de Moraes, julgou procedente a ação declaratória, condenando a União Federal pela prisão ilegal, tortura e morte de Vladimir Herzog.
O caso foi um dos apreciados pela Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos, reconhecendo o assassinato de Vladimir Herzog por agentes do Estado. A família não aceitou receber a indenização, por entender que o Estado brasileiro não deveria encerrar o caso dessa forma e que as investigações deveriam seguir.
O atestado de óbito, porém, só foi retificado mais de 15 (quinze) anos depois.
Para destacar que o “caso Vladimir Herzog” é parte de outros na história brasileira, uma das cenas emocionantes do premiado filme “Ainda estou aqui” é a entrega do atestado de óbito de Rubens Paiva, muitos anos depois.
Agravo de Instrumento proposto pela União Federal (00.0310676-4):
A União Federal interpõe agravo de instrumento contra o despacho saneador que não acolheu alegações de preliminares: O julgamento pela Justiça Militar (fatos julgados inexistentes) que já havia feito coisa julgada, e a inépcia da inicial porque, segundo a União Federal, a autora busca, pela ação declaratória, a condenação da ré.
Nas fundamentações do agravo, a União, em síntese, sustenta que, primeiro: como a Justiça Militar decidiu sobre a questão, não haveria como reexaminar o caso e, segundo: o objetivo da autora era a condenação da União e, consequentemente, o recebimento de indenização.
A autora, aqui agravada, responde aos argumentos da União Federal, alegando que a decisão no Inquérito (“apurando as circunstâncias em que ocorreu o suicídio do jornalista Vladimir Herzog”), que decidiu pelo arquivamento, não encerra a questão de mérito e, por não ser um processo, não tem força de coisa julgada. Já em relação à controvérsia da possibilidade de ação declaratória, a autora sustenta que busca a “declaração da existência de uma relação jurídica, consistente na obrigação de indenizá-los em decorrência dos danos que sofreram”, de modo que seria essa a decisão que firmaria a relação jurídica entre a autora e a União Federal.
O representante do Ministério Público, defendendo os interesses de incapazes, subscreveu as contrarrazões apresentadas pela autora.
Chegando os autos ao Tribunal Federal de Recursos, o Procurador Federal manifestou-se e reafirmou a tese apresentada pela União Federal na instância inferior. O Ministro do TFR, no julgamento do agravo de instrumento, acolheu as alegações da autora (agravada) e manteve a decisão do Juiz de primeiro grau, argumentando que “na sua composição plena, já decidiu que a responsabilidade civil é independente da criminal e poderá ser apurada”. Mais à frente, argumentou que “na espécie, não houve o julgamento criminal, preconizado no agravo, mas, tão somente, as investigações sumárias sobre os fatos, com arquivamento do inquérito”.
No tocante à inépcia da inicial, também não prosperou a fundamentação da União Federal, uma vez que o TFR entendeu ser correto o entendimento do Juízo de primeiro grau, sendo perfeitamente possível a utilização da ação declaratória como alternativa à ação condenatória (e até mesmo cumulativamente), decisão que cabe ao titular do direito em questão. Dessa forma, o agravo de instrumento não obteve provimento.
Destaca-se que o julgamento desse agravo ocorreu em fins do ano de 1982, momento em que os espaços democráticos eram mais presentes no cotidiano dos brasileiros.
Processo 00056977-66.1976.4.03.6100 (ação declaratória):
Clarice Herzog (também representando os filhos) em face da União Federal.
A petição inicial tem, em sua parte introdutória, a apresentação dos fatos, alguns documentos do Inquérito Militar, bem como o depoimento do jornalista Rodolfo Oswaldo Konder, que foi preso na mesma ocasião em que Vladimir Herzog.
Destaca-se dessa parte da petição a argumentação dos advogados da autora sobre a instalação da Portaria, assinada pelo General Comandante do II Exército determinando a instauração de um inquérito policial militar, destinado a apurar “as circunstâncias em que ocorreu o suicídio do jornalista Vladimir Herzog”.
O destaque na palavra “suicídio” já indica uma conclusão desejada e uma diretriz ao encaminhamento das investigações, quando o correto seria “apurar as circunstâncias em que se deu a morte de Vladimir Herzog”. O resultado desse inquérito foi que “a morte de VLADIMIR HERZOG ocorreu por voluntário suicídio, por enforcamento, não havendo, destarte, sido apurado qualquer crime previsto no Código Penal Militar, nem transgressão disciplinar prevista nos regulamentos militares".
Na análise dos fatos, os advogados da autora relatam que, mesmo tendo se apresentado espontaneamente, foi preso e torturado por longas horas nas dependências do DOI-CODI. Também apontam testemunhos e indícios de que o laudo produzido para “atestar o suicídio” tinha várias falhas e várias contradições. Colocam em xeque a versão do Exército, de que Vladimir Herzog teria usado o cinto do macacão para suicidar-se. O jornalista Rodolfo Oswaldo Konder informou que o macacão que deram para os presos nas dependências do DOI-CODI não tinha cinto, lembrando ser praxe nos estabelecimentos prisionais proibirem uso de cintos, ou outros instrumentos com os quais possam atentar contra a própria vida ou a de terceiros.
Argumentam que a Constituição Federal, no art. 107, dispõe que "as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros. Regra também prevista no Código Civil Brasileiro vigente à época, de que maneira que a União Federal deve responsabilizar-se pelos atos ilícitos praticados por seus agentes.
A possibilidade de ação declaratória já é argumentada na petição da autora, questão que será debatida em manifestação da União Federal, propugnando pela impossibilidade dessa via. Além de manifestar-se nas preliminares, esse tema será objeto de agravo de instrumento interposto pela União Federal, mas que será julgado improcedente, conforme decisão do Tribunal Federal de Recursos e descritos ao final.
Argumentam, na petição, sobre a possibilidade da ação declaratória: “conquanto não estejam pleiteando a condenação da suplicada no pagamento de qualquer indenização, têm interesse não só na declaração da existência de uma relação jurídica entre eles e a União Federal, consistente na obrigação de indenizá-los, em decorrência dos danos que sofreram.”
Por fim, a autora busca a declaração da “responsabilidade da União Federal pela prisão ilegal, pelas torturas impostas ao preso e pela morte de Vladimir Herzog, e a consequente obrigação de indenizar os suplicantes, em decorrência dos danos morais e materiais que esses fatos lhes acarretaram”.
Contestação da União Federal:
Em contestação, o Ministério Público da União, atuando em nome da União Federal, apresentou duas preliminares: primeira, a carência da ação porque o Juiz Auditor determinou o arquivamento do processo, decidindo que “incontestavelmente, o exame do conjunto probatório, consubstanciado em provas criminalísticas, pessoais e circunstanciais, revela que não houve participação criminosa no suicídio do ex-jornalista VLADIMIR HERZ0G”, de modo que, conforme essa decisão, não houve ato ilícito por parte dos agentes do Estado; segunda, a inépcia da ação, por não ser cabível Ação declaratória, pois, segundo a União Federal, a autora busca uma condenação e assim, escolheu a via inadequada.
No mérito, pedia o julgamento pela improcedência, alegando, entre outros:
- agentes do Estado estavam no “estrito cumprimento do dever legal”;
- Vladimir Herzog admitiu participar de atividades subversivas;
- sua morte ocorreu quando estava só e as provas no inquérito militar comprovam o suicídio;
- os laudos não indicaram lesão ou sinais de maus-tratos ou tortura;
- o seu enterro ocorreu em cemitério israelita e em área destinada aos suicidas.
Com base nesses elementos, requereu-se a extinção do processo ou a improcedência dos pedidos formulados pela autora.
Juntou-se ao processo parecer do Consultor Jurídico do Ministério do Exército e o Inquérito Militar, que decidiu pelo arquivamento como forma de corroborar a tese de defesa da União Federal. Também consta o laudo de perícia do cadáver realizado pelo Departamento de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública.
Em réplica, a autora rebateu as preliminares. Sobre já ter alguma decisão sobre a demanda reforçou que o Inquérito não faz coisa julgada, pois sequer houve processo tratando do tema. Diz a réplica “Simples procedimento, destinado à investigação do fato, na sua materialidade, e da autoria, o inquérito não tem conteúdo jurisdicional”.
Sobre o cabimento de ação declaratória (e não condenatória) para o caso em tela, os autores fundamentaram: “Porque se cingiram ao pedido de declaração de relação jurídica da União para com eles, consistente na obrigação de indenizá-los, não se pode chegar a conclusão outra de que os autores propuseram ação declaratória e não condenatória”.
No mérito demonstraram que:
- Vladimir Herzog estava preso;
- houve tortura, testemunhada por outros presos;
- inquérito não faz coisa julgada;
- outras contradições nas informações, pareceres e inquérito que foram juntados.
Instado o Ministério Público Federal para atuar no processo na qualidade de curador dos menores, este requereu o envio dos autos ao Ministério Público do Estado de São Paulo que, por sua vez, se deu por incompetente para assumir atribuições da esfera federal. Por fim, decidiu-se pela nomeação de representante do Ministério Público “ad hoc” e a intimação do MPF de todos os atos do processo, evitando assim a nulidade dos atos processuais.
No despacho saneador, o Juiz decidiu pela improcedência.
Importante destacar que, paralelamente, a autora entrou com representação no Ministério Público do Estado de São Paulo contra Harry Shibata por declarações de que, embora tenha assinado o laudo necroscópico, não participou da perícia. Encaminhado ao Ministério Público Militar, este pronunciou pelo arquivamento da representação.
No curso do processo foram ouvidas, pelo Juiz, as testemunhas indicadas pelas partes. Na sequência foram juntados os memoriais da autora e do Ministério Público Federal.
Nesse ínterim, o Ministério Público impetrou mandado de segurança, com a finalidade do adiamento da leitura da sentença, pelo Juiz, até que o agravo de instrumento já citado fosse apreciado. O plenário do Tribunal Federal de Recursos não conheceu do mandado de segurança e consequentemente cassou a liminar antes concedida.
A sentença foi proferida em 27 de outubro de 1978, pelo Juiz Márcio José de Moraes, vindo a ser uma decisão histórica porque, pela primeira vez, a União Federal, pela via da ação declaratória, é condenada pela prática de tortura e morte de um opositor.
No fundamento, resume as fases processuais, apresenta as alegações e os fundamentos jurídicos da autora para pedir a declaração da existência da relação jurídica, a réplica e os memorias e, da mesma forma, os apresentados pela União Federal. Também resumiu os depoimentos das testemunhas e os elementos constantes no processo que pudessem servir como provas.
A seguir, passou à decisão, na qual destacamos:
- a responsabilidade objetiva do Estado e a solidariedade deste em relação às práticas de seus agentes, descrevendo a evolução constitucional do tema no direito brasileiro. Assim, afirma o Juiz, que “com isso procuramos demonstrar que à luz da ciência do Direito, os fatos dos autos devem ser valorados sob o enfoque das teorias da falta anônima do serviço público e do risco administrativo, posto que, como foi explanado, tais teorias são as que maiores preferências recebem tanto da doutrina como da jurisprudência”;
- Vladimir Herzog encontrava-se preso nas dependências do Exército e “estando Vladimir Herzog preso nas dependências do II Exército, a União Federal assumiu o dever legal de zelar pela sua integridade física e moral, dever esse a ser entendido em concepção ampla (...) zelar pela integridade física de seu encarcerado contra atos ou omissões dos próprios agentes policiais, de terceiros ou mesmo do próprio detento”;
- tratava-se de uma prisão ilegal e sequer havia algum inquérito em andamento contra Vladimir Herzog;
- é incontroverso que a morte de Vladimir Herzog decorreu de causas não naturais;
- os agentes do Estado não tomaram medidas de cuidado, como o simples fato de, segundo as alegações oficiais, permitir que ele ficasse com um cinto, quando, pelas própria vestimenta (um macacão) nem seria necessário referido acessório. Então, a relação da causalidade da morte foi gerada pelos agentes públicos e não pela vítima;
- a União Federal produziu uma única prova, um depoimento de representante da Congregação Israelita;
- sobre o laudo do exame de corpo de delito realizado no cadáver de Vladimir Herzog: não foi realizado por dois peritos (Harry Shibata, um dos peritos que assinou o laudo negou ter participado da perícia) e, por existirem outras falhas, “decorre a ineficácia do laudo de exame do corpo de delito realizado no cadáver de Vladimir Herzog e, consequentemente, ficam prejudicadas todas as conclusões que o mesmo chegou, o que torna imprestável para fins probatórios pretendidos pela União Federal”;
- a União Federal não conseguiu provar o suicídio de Vladimir Herzog e também não provou a sua não participação, se ele de fato tivesse ocorrido;
- houve ilicitude e culpa dos agentes do Estado (teoria objetiva da culpa);
- cabe ao Juiz informar ao Ministério Público a existência de crime constatados no curso do processo: abuso de autoridade e práticas de tortura nas dependências do Exército;
- há a possibilidade jurídica de indenização por danos morais.
Por fim, a decisão: “Pelo exposto, julgo a presente ação PROCEDENTE e o faço para, nos termos do artigo 4º, inciso I, do código de Processo Civil, declarar a existência de relação jurídica entre os As. e a R., consistentes na obrigação desta indenizar aqueles pelos danos materiais e morais decorrentes da morte do jornalista Vladimir Herzog, marido e pai dos As.”
Dessa sentença a União Federal apelou, reafirmando as alegações apresentadas em contestação e memoriais. Já a autora, em resposta à apelação, reforçou a fundamentação e a conclusão da sentença, demonstrando quais contradições julgava existir nas razões de apelação. Ambas as peças, em síntese, reafirmaram o discutido nos autos.
O Procurador da República manifestou-se essencialmente no sentido da impossibilidade de ação declaratória, algo já bastante debatido na ação.
Voto do Relator Ministro José Pereira de Paiva, reconhecendo:
- a prisão de Vladimir Herzog;
- a ilegalidade da prisão (sem flagrante delito), assim “ a única conclusão que se impõe é a de que a prisão de Vladimir Herzog trazia o vício da ilegalidade, pela falta dos pressupostos legais, conforme suficientemente esclarecido”;
- o nexo de causalidade entre a prisão e morte de Vladimir Herzog e a União não apresentou elementos que excluíssem a sua responsabilidade;
- tratando-se de perícia realizada por um só perito, o laudo é imprestável, tema inclusive já sumulado pelo STF;
- nesse caso, o valor probatório do Inquérito policial militar é meramente informativo;
- a União Federal não comprovou o suicídio de Vladimir Herzog, e também não comprovou que seus agentes não tiveram participação;
- em relação à indenização por danos morais, o Relator votou por excluir essa condenação, considerando que a ação declaratória não é sede própria para tratar dessa espécie de indenização. No mais “concluindo pela procedência da ação, nos termos do art. 49, inciso I, do Código de Processo Civil, declarar a existência da relação jurídica entre os autores e a ré, consistente na obrigação desta de indenizar aqueles pelos danos decorrentes da morte do Jornalista Vladimir Herzog, marido e pai dos autores”.
O voto-vista, por Leitão Krieger, segue o posicionamento do relator quanto a primeira preliminar. Já em relação a segunda preliminar: “Chego à conclusão de que a ação proposta não foi declaratória, mas sim de natureza condenatória”, pois “a ação declaratória pressupõe incerteza do direito dado ao caso e, por isso, visa a declaração oficial da certeza”. No entanto, isso não quer dizer que a autora é carente da ação, pelo contrário, “pouco importa, para deslinde da questão, o apelido que tenham dado ã ação. Batizaram-na de declaratória, mas na realidade a ação proposta foi de natureza condenatória”, e assim Turma do TFR deve tratar a ação proposta.
No mérito, o Ministro Leitão Krieger não concorda com a opinião de que o depoimento do jornalista Rodolfo Konder e das demais testemunhas tenha valor jurídico, pois todas elas estariam “irmanadas pelas mesmas ideias”. Em relação ao laudo da perícia necroscópica questionado pela autora, o Ministro entendeu que o laudo oficial se sobrepõe ao depoimento das testemunhas e que as evidências apontam no sentido do suicídio de Vladimir Herzog. No voto também fez crítica à petição inicial que, segundo o Ministro, atacava o Presidente do inquérito militar, membro do Ministério Público da União, procurando desmoralizar o inquérito.
Mesmo com a desvalorização das provas, a União Federal deve ser responsabilizada porque, ao estar sob tutela do Estado, caberia aos agentes tomar medidas de proteção de Vladimir Herzog. Em relação à indenização por danos materiais e à negativa de reparação por danos morais, colocou-se de acordo com o Relator.
O voto do Ministro Lauro Leitão trata como via imprópria a ação declaratória e, no tocante, aos danos morais, estaria de acordo com os votos anteriores, no entanto, opina pela improcedência da ação, porque o Estado não poderia se responsabilizar pela ação de seus agentes, e se respalda na tese de que a teoria objetiva da culpa pode se flexibilizar no direito administrativo. Dessa forma, votou pelo acolhimento da apelação.
Assim, ao fim, decidindo o agravo de Instrumento (consta descrição em outra parte) e a apelação, a turma fixou a seguinte decisão: “A Turma, em apreciação preliminar, prosseguindo no julgamento do Agravo de instrumento, por maioria, lhe negou provimento, vencido o Sr. Ministro Lauro Leitão, que provia o recurso para modificar o despacho de saneamento, julgando extinto o processo”. Em seguida, a Turma, no julgamento da Apelação Cível nº 59.873, por maioria, “lhe negou provimento, vencido o Sr. Ministro Lauro Leitão, que provia in-totum o apelo da União, para modificar a respeitável sentença de 1º Grau, e julgar a ação improcedente. (Em 21/06/83 – 1ª. Turma).”
Desse acórdão, a União Federal interpôs embargos de declaração, sob o pretexto de contradição no voto do Ministro Leitão Krieger, mas foram rejeitados por unanimidade. Após a publicação do acórdão, a União Federal opôs embargos infringentes (89.03.007264-2), buscando a prevalência do voto do Ministro Lauro Leitão, tendo como argumento principal a carência da ação, por considerar a ação declaratória uma via imprópria. Já no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (criado na Constituição Federal de 1988), o Ministério Público Federal foi intimado, manifestando-se em desfavor da União Federal. Por fim, os embargos infringentes não foram providos e, assim, foi mantida a decisão original em favor dos familiares de Vladimir Herzog.
Trânsito em julgado: 20 de setembro de 1995.
Sem títuloSessão Plenária Extraordinária em homenagem aos desembargadores federais integrantes da primeira composição da Corte.
Sem títuloPlano Collor – Apelação em Mandado de Segurança - Cruzados novos/bloqueio – Expurgos inflacionários/planos econômicos – Intervenção no domínio econômico – Direito administrativo – devolução de recursos monetários retirados pela Medida Provisória nº 168/90 – Arguição de inconstitucionalidade – Embargos de Declaração.
Mandado de segurança distribuído em 24 de abril de 1990, impetrado por F.K.C., contra medida que impugnou ato contrário à ordem constitucional, praticado pelo Banco Central do Brasil. Sustenta, o impetrante, que o objetivo da medida impugnada era a absorção temporária do poder aquisitivo da população, de modo a reduzir a inflação monetária, sendo que essa finalidade deixou de ser admitida pela Constituição Federal de 1988, revogando o artigo 15, inciso II, do Código Tributário Nacional, que admitia tal finalidade. Alega, também, ter havido violação da ordem constitucional, porquanto foi criado o empréstimo compulsório, sem lei complementar, e sem terem ocorrido os pressupostos constitucionais, constantes do artigo 148, incisos I e II, da Constituição Federal.
O MM. Juiz, em despacho inicial, denegou a liminar, por não vislumbrar periculum in mora.
Manifestou-se o Banco Central, alegando preliminar de ilegitimidade passiva de pessoa jurídica, porquanto não foi apontada, na inicial, a autoridade que teria praticado o ato impugnado, tendo a impetração se dirigido contra pessoa jurídica da autarquia, o que impossibilitaria o conhecimento do presente mandado de segurança. Alega também que, admitindo-se o Delegado do Banco Central como a autoridade impetrada, o impetrante deveria ser julgado carecedor da ação, visto que tal autoridade não praticou qualquer ato. No mérito, aponta-se a competência da União Federal de legislar sobre o sistema monetário.
O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem.
O MM. Juiz proferiu despacho, determinando que constasse na autuação, como autoridade impetrada, o Sr. Chefe do Departamento Regional do Banco Central, tendo em vista que o mesmo recebeu a notificação e prestou informações, suprindo a falha da peça inicial.
Foi proferida sentença, concedendo a ordem, por ser a medida provisória em questão nula, por ofender o estado democrático de direito e o artigo 5º, inciso XXXVI, da CF, que diz que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
O Banco Central opôs embargos de declaração, em 23 de abril de 1991, que foram rejeitados, e interpôs recurso de apelação, requerendo o recebimento do referido recurso também no efeito suspensivo.
O impetrante apresentou contrarrazões ao recurso de apelação, além de noticiar que as instituições financeiras privadas (Banco Itaú e Unibanco) deram integral cumprimento à ordem de conversão dos cruzados novos em cruzeiros.
O MPF opinou pelo improvimento do referido recurso.
Assim, a Terceira Turma do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Regional, em 12 de dezembro de 1990, rejeitou as preliminares arguidas pelo Banco Central, reconhecendo também que não houve ataque à lei em tese, pois houve um ato concreto de bloqueio das disponibilidades e é este ato que foi atacado pelo impetrante. No mérito, submeteu o caso a Plenário, por envolver matéria constitucional.
Em sessão plenária, o TRF3, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade dos artigos 5º ao 9º da Lei nº 8024/90, em 4 de abril de 1991, pelas razões a seguir expostas.
Houve bloqueio, pelo governo, dos cruzados novos depositados em poupança, conta corrente, contas remuneradas e aplicações.
A Lei nº 8024, de 12 de abril de 1990, oriunda da Medida Provisória nº 168, de 15 de março de 1990, criou um empréstimo compulsório, incidente sobre os saldos de depósito a vista, saldos de caderneta de poupança, depósitos a prazo fixo, letras de câmbio, depósitos interfinanceiros, debêntures, demais ativos financeiros e recursos captados pelas instituições financeiras por meio de operações compromissadas.
O empréstimo compulsório em questão não foi instituído em decorrência da hipótese prevista no artigo 148, inciso I, da CF, tendo-se então, nesse ponto, a primeira inconstitucionalidade. Além disso, não houve pressuposto de urgência, perfeitamente fixado na CF, em seu artigo 64, §§ 1º e 2º.
Ainda, só é cabível a utilização de Medida Provisória onde couber lei ordinária, decorrendo disso, portanto, que não pode ela ser utilizada em matéria própria de lei complementar. Assim, sendo matéria privativa de lei complementar, o empréstimo compulsório não poderia ter seu procedimento legislativo iniciado através de medida provisória.
Pelos pontos expostos pelo MM. Juízo, foi declarada a inconstitucionalidade dos artigos 5º ao 7º da Lei nº 8024/90, oriunda da Medida Provisória nº 168/90, declarando, consequentemente, inaplicáveis as disposições decorrentes destes artigos, e dos demais que com eles tivessem pertinência lógica.
O Banco Central do Brasil pôs embargos de declaração, em face da arguição de inconstitucionalidade, reconhecida no referido acórdão. O embargante postula esclarecimentos no sentido de que, à vista da inconstitucionalidade declarada, devesse ser mantida a r. sentença do Juízo de 1º Grau, e consequentemente rejeitada a apelação, encerrando a prestação jurisdicional, ou se retornariam os autos à Turma, para que se completasse o julgamento, apreciando o mérito.
Em 9 de maio de 1991, o E. Plenário do TRF3, por maioria, acolheu os embargos de declaração, a fim de retornarem os autos à Terceira Turma, para julgamento da apelação interposta.
No mérito, restou à apreciação da alegação de inexistência de limitação constitucional, à União Federal, para legislar sobre moeda, ante as disposições do artigo 22, inciso VI, da CF, em comunhão com a questão de fundo, a inconstitucionalidade da Lei nº 8024/90.
No caso da limitação da União para legislar sobre moeda, a regra estabelecida no artigo 22, inciso VI, da CF, determina a competência da autarquia para legislar privativamente sobre sistema monetário e de medidas, títulos e garantia dos metais, não podendo ser interpretada isoladamente, devendo ser agregados a essa norma, os demais preceitos constitucionais, que confere a referida competência, estabelecendo os limites que devem ser respeitados, não sendo possível que a União, no exercício da competência legiferante, atente contra o princípio da isonomia ou da capacidade contributiva.
O mérito restou resolvido pelo antecedente julgamento plenário da Corte, consubstanciado no v. acórdão proferido.
Assim, a Terceira Turma do E. TRF3, em 7 de agosto de 1991, por unanimidade, rejeitou as preliminares e negou provimento à apelação e à remessa oficial, confirmando a r. sentença.
O Banco Central apresentou recurso extraordinário, em 25 de novembro de 1991, admitido pela Presidência do E. TRF3, nos termos da alínea b, do inciso III, do artigo 102, da CF, em 4 de dezembro de 1991.
Em 10 de dezembro de 1991, os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal, que julgou prejudicado o recurso extraordinário, devolvendo os autos ao E. TRF3 em 17 de maio de 1993, onde foram baixados definitivamente à Vara de origem.
Assim, os autos foram arquivados em 4 de agosto de 2005.
Os artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal preveem, como uma das hipóteses do cabimento de desaforamento (transferência de foro de um processo), quando houver dúvida sobre a imparcialidade do júri e, sob este fundamento, sendo deferido mediante a ponderação entre o princípio do juiz natural e a garantia de imparcialidade do órgão julgador.
No dia 19 de abril de 2007, o Ministério Público Federal, requereu o desaforamento do julgamento da ação penal nº 2003.60.02.00374-2, em trâmite na 1ª Vara Federal de Dourados/MS, para o Tribunal do Júri da Seção Judiciária de São Paulo, requerimento feito a Exma. Desembargadora Federal Diva M. Malerbi, presidente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Órgão Especial), com fulcro no artigo 424 do CPP (atual artigo 427, após as alterações introduzidas pela Lei nº 11.689/08), por existirem motivos suficientes que resultariam em fundada dúvida sobre a imparcialidade do júri na Seção Judiciária de Dourados e nas Seções Judiciárias contíguas.
Principais atos praticados naquela ação penal:
Quatro réus foram denunciados pela prática de violentos ataques contra os indígenas Guarani Kaiowá da Terra Indígena Takuara, ocorridos nos dias 12 e 13 de janeiro de 2003, na Fazenda Brasília do Sul em Juti/MS, tendo tais fatos delituosos recebidos diversas qualificações, de forma individualizada, como homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e meio cruel, tortura, seis tentativas qualificadas de homicídio, seis crimes de sequestro, fraude processual e formação de quadrilha.
No dia 11 de janeiro de 2003, um grupo de índios Guarani Kaiowá, entre homens, mulheres e crianças, partiu do acampamento oficial, localizado próximo ao Rio Dourados, em direção às terras da Fazenda Brasília do Sul e ocupou uma pequena parte de suas terras, relatando que reconhecem aquele lugar como Terra de ocupação tradicional indígena da Comunidade Takuara.
Pela parte da tarde, no dia 12, receberam a “visita” do administrador da fazenda N. A. de O., o piloto O. P. M. e uma guarnição do Departamento de Operações da Fronteira - DOF, onde ficou acertado que os indígenas poderiam retirar madeira para lenha, bem como o término da montagem das barracas do acampamento, sendo que, ao final da tarde do domingo existiam cerca de 80 (oitenta) indígenas naquele local.
Relatou-se, ainda, que, junto ao portão de acesso à fazenda, chegaram jagunços e peões objetivando isolar o acampamento de comunicação externa. Neste instante, uma camionete de índios saiu do acampamento oficial e tentou entrar na propriedade (com o intuito de levar mantimentos para os acampados na fazenda), mas foram emboscados pelo grupo da porteira e alvejaram a camionete. O grupo de segurança permaneceu no local toda a noite, somente se juntando aos demais integrantes, no momento do ataque ao acampamento.
Pela madrugada de segunda-feira, aos 13 de janeiro, houve o ataque ao acampamento. Primeiramente, expulsou-se, sob forte violência, os índios, destacando-se a tortura contra o índio L. V. C., e, ainda, o aprisionamento de vários integrantes da família Veron.
Por volta das 5h, ainda na madrugada do dia 13, sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma caminhonete e levados para um local distante da fazenda, onde passaram por sessão de tortura.
Um dos filhos do cacique Marcos Veron, L., quase foi queimado vivo. A filha do cacique, G., grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Marcos Veron, na época com 72 anos, foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça, morrendo com traumatismo craniano.
O acusado N. A. de O. teria sido o autor do golpe que resultou no falecimento do cacique Marcos Veron, no dia 13 de janeiro de 2003, e teve sua prisão temporária decretada, porém, por se encontrar foragido, foi suspenso o processo e o prazo prescricional do mesmo. (N. passou 12 anos foragido apresentando-se à justiça somente em 23 de janeiro de 2015).
Por sua vez, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, pela sua 5ª Turma, indeferiu o pedido de Habeas Corpus a favor dos réus citados, principalmente em virtude da grande comoção social, da enorme repercussão do delito e do clamor público dele oriundo, além da periculosidade dos pacientes pelo modus operandi dos crimes atribuídos. Ainda, em razão da evasão praticada por alguns corréus e, também, por um dos pacientes residir em local próximo à fronteira Brasil-Paraguai, manteve-se o decreto prisional, a fim de se garantir a ordem pública e a aplicação da lei penal.
O Juízo Federal da Subseção Judiciária de Dourados, em 23 de abril de 2007, determinou que os réus citados seriam submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri, por todos os fatos delituosos imputados na denúncia.
Porém, tendo em vista a grande repercussão nacional e internacional provocada pelo brutal assassinato do cacique, alegada pelo Órgão Ministerial de 1ª instância, reiterada pelo acórdão do referido HC e endossada por relatórios do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e da Anistia Internacional, exigir-se-ia ainda mais um julgamento imparcial do caso, em razão de fatos que fundaram dúvidas sobre a imparcialidade do Tribunal do Júri da Subseção de Dourados/MS, quais sejam:
- segundo os autos do inquérito policial nº 2003.60.02.000728-8, os réus não teriam sido os únicos responsáveis pelos crimes praticados, havendo 24 (vinte e quatro) pessoas indiciadas pelos delitos praticados, dentre eles o próprio patrão dos réus e proprietário da fazenda e de outros imóveis rurais, no MS e em outros estados, que, segundo o MPF, possuía grande influência econômica e política na região, e que teria, inclusive, produzido provas falsas necessárias à defesa dos réus. Ainda, entre os demais indiciados, estavam outros peões daquela propriedade rural, assim como integrantes do Departamento de Operações de Fronteira - DOF e, ainda, jagunços contratados para a empreitada criminosa, segundo relatório da Polícia Federal em Naviraí/MS, em seu Inquérito Policial nº 008/03-DPF.B/NVI/MS, de 17.02.2003-14.09.2003).
Narra, ainda, o MPF ações para forjar provas em favor dos réus. - o Juiz Estadual do Tribunal do Júri da Comarca de Dourados/MS, teria praticado condutas em defesa dos interesses dos fazendeiros e dos réus, e contra os interesses das comunidades indígenas. Em sessão, proferiu discurso dirigido a pessoas que poderiam compor o conselho de sentença do dito Tribunal, acusando o requerente (MPF) de insuflador das invasões indígenas;
- houve uma moção de protesto da Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul, em 2003, contra as invasões de propriedades particulares pelas comunidades indígenas;
- prestigiados veículos de imprensa sul-mato-grossense teriam divulgado conselhos desfavoráveis aos índios em geral, tendo sido o jornalista O. S. arrolado como testemunha dos réus, a ser ouvida perante o Tribunal do Júri, o qual não foi inquirido anteriormente no processo.
Além disso, endossa a questão a Nota Técnica elaborada pelo Analista Pericial em Antropologia do MPF que, após extensa análise das circunstâncias que envolvem o julgamento, opina sobre a inconveniência e parcialidade daquele Juízo.
Assim sendo, o MPF justifica o pedido de desaforamento, entendendo que o processo deveria ser transferido para a Seção Judiciária de São Paulo, por todos os motivos supramencionados de dúvida sobre a imparcialidade do júri local.
Este julgamento foi o terceiro caso de desaforamento interestadual do Brasil.
O Órgão Especial, por unanimidade, deferiu o pedido de desaforamento do julgamento da ação penal referida, nos termos do voto da Exma. Desembargadora Federal Diva Malerbi, no dia 11 de fevereiro de 2009. E, por maioria, determinou o deslocamento do julgamento para o Tribunal do Júri da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo.